Inquisição

A Inquisição foi um movimento político e ideológico que surgiu durante a Idade Média, sendo intensificado durante a consolidação dos Estados Nacionais Modernos.
Câmara de tortura da Inquisição Espanhola.
Câmara de tortura da Inquisição Espanhola. Nela, os hereges estão tendo os pés queimados enquanto o escriba anota as confissões.[1]
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A Inquisição foi um movimento político e ideológico que surgiu durante a Idade Média e que buscava investigar, julgar e punir os hereges a partir do discurso religioso cristão católico, tendo como aparato institucional o Estado. Entretanto também foi utilizada com a finalidade de perseguição política e esteve relacionada aos interesses econômicos de governantes. O seu fim está diretamente ligado ao renascimento cultural e científico e ao movimento iluminista, que criaram condições e espaço para questionamentos acerca das práticas da Igreja Católica, que se viu cada vez mais pressionada a revê-las.

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Resumo sobre a Inquisição

  • A Inquisição foi um movimento político e ideológico que surgiu durante a Idade Média.
  • Alguns historiadores apontam que a Inquisição teve duas fases, sendo a primeira com um caráter universal emanado por meio do poder ultranacional do papa, e a segunda fase com o caráter nacional.
  • O Tribunal da Santa Inquisição foi ciado oficialmente em 1233, pelo Papa Gregório IX e passou a ser nomeado de Tribunal do Santo Ofício, no século XIX.
  • No Brasil, a Inquisição chegou por meio da colonização portuguesa, e o Tribunal do Santo Ofício visitou o país entre os séculos XVI e XVII, encontrando resistência da Campanhia de Jesus e de populares.
  • Na Espanha, a Inquisição serviu aos interesses políticos e econômicos do Estado, e está diretamente relacionada ao governo dos reis católicos Dom Fernando Aragão e Dona Isabel de Castela.
  • No Brasil, estima-se que mais de 1.800 pessoas foram denunciadas e 400 condenadas pela Inquisição entre os séculos XVI e XVIII.
  • As estatísticas sobre o número de perseguidos e mortos durante a Inquisição não são exatas, gerando falta de consenso nas interpretações históricas.

Videoaula sobre a Inquisição

O que foi a Inquisição?

A Inquisição foi um movimento político e ideológico que surgiu durante a Idade Média, sendo intensificado durante o contexto da Reforma Protestante e da consolidação dos Estados Nacionais Modernos e dos regimes absolutistas. A partir do discurso religioso cristão católico, ela utilizou mecanismos para investigação, julgamento e punição, tendo como aparato institucional o Estado. Entretanto também foi utilizada com a finalidade de perseguição política e esteve relacionada aos interesses econômicos de governantes. 

Nesse sentido, com o intuito de instaurar investigações, foi criado oficialmente em 1233, pelo Papa Gregório IX, o Tribunal da Santa Inquisição, que passou a ser nomeado de Tribunal do Santo Ofício, no século XIX.

O poder da Inquisição era exposto por meio da realização dos Autos de Fé, que eram públicos e congregavam em torno uma série de signos e significados. Nos Autos, havia o desfile público com a participação da nobreza e do clero, era feito o juramento da defesa do Santo Ofício e, nos momentos de visitação das províncias, havia o juramento e reafirmação da fé e da fidelidade à Igreja Católica, que deveria ser realizado por todos.

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Contexto histórico e origem da Inquisição

A Inquisição foi oficializada durante o século XIII por meio da criação do Tribunal da Inquisição, que tinha como principal objetivo investigar, julgar e punir pessoas e movimentos que se debelassem contra o conjunto de dogmas e doutrinas da Igreja Católica e o poder papal, acusadas de heresia.

Alguns historiadores apontam que a Inquisição teve duas fases, sendo a primeira com um caráter universal emanado por meio do poder ultranacional do papa, entre os séculos XIII e XIV, e a segunda fase com o caráter nacional, restringindo-se a formação e consolidação de alguns Estados Nacionais Modernos, entre os séculos XV e XIX, a exemplo de Portugal e Espanha

Inquisição espanhola

Na Espanha Moderna, a Inquisição serviu aos interesses políticos e econômicos do Estado, e está diretamente relacionada ao governo dos reis católicos Dom Fernando Aragão e Dona Isabel de Castela, que utilizaram o aparato religioso e político para perseguição de seus inimigos e manutenção do poder. Além disso, muitos Estados, a exemplo do espanhol, utilizaram a Santa Inquisição para se apropriarem dos bens das pessoas perseguidas e para a unificação territorial, por meio da atuação do inquisidor-mor, que integrava reinos que ainda não haviam aderido ao projeto unificador.

É importante lembrar que a Inquisição espanhola não ficou restrita apenas à Espanha, ela teve grande atuação na América Espanhola. Na Nova Espanha e no Peru, foram instalados tribunais da Inquisição para julgar as pessoas que eram acusadas de heresias, ou seja, de divulgar ideias contrárias à fé cristã. 

Execução de hereges na fogueira pela Inquisição espanhola.[2]
Execução de hereges na fogueira pela Inquisição espanhola.[2]

Inquisição no Brasil

A Inquisição portuguesa se especializou na repressão dos cristãos-novos, que eram os judeus convertidos ao cristianismo católico, e dos protestantes. No Brasil, ela atuou fortemente no Nordeste. O Brasil recebeu três visitas inquisitoriais, entre os séculos XVI e XVIII, sendo que as duas primeiras foram no Nordeste brasileiro e a última foi no Grão-Pará, durante o século XVIII.  

As documentações historiográficas mostram que no Brasil Colonial foram registrados processos inquisitoriais averiguando crimes de heresia, tais como adultério, bigamia, feitiçaria e disseminação do judaísmo e luteranismo. Estima-se que mais de 1.800 brasileiros foram denunciados e 400 foram condenados por práticas consideradas contrárias à fé católica nesse período.

Inquisição protestante

Durante a Idade Moderna, no contexto da Reforma Protestante empreendida por Martinho Lutero e João Calvino e que culminou no surgimento da Igreja Luterana e da Igreja Calvinista, ocorreram inquisições da Igreja Católica em relação aos protestantes, bem como dos protestantes em relação aos católicos. Assim, o termo Inquisição protestante é utilizado para se referir à perseguição sofrida pelos católicos causada pelos protestantes. A Inquisição protestante também perseguiu os humanistas, os pensadores livres, seitas religiosas e mulheres que eram acusadas de bruxaria.

Características da Inquisição

Procissão da Inquisição em Goa, entrando na Igreja com estandartes, 1783.[3]
Procissão da Inquisição em Goa, entrando na Igreja com estandartes, 1783.[3]

A Inquisição foi caracterizada pela realização de julgamentos por meio do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. O julgamento de heresias ocorria por meio de denúncias e interrogatórios acompanhados de torturas físicas e psicológicas. As punições eram aplicadas pelo Estado de acordo com a gravidade da heresia e do arrependimento do réu. Entre as formas de punição contavam as torturas físicas, o pagamento de multas, o confisco dos bens da pessoa julgada, a aplicação de penitências, a excomunhão (exclusão do herege da comunidade cristã), a prisão, a retratação em público e até mesmo a morte na fogueira, em praça pública.

Durante a Inquisição foram perseguidos os judeus, mulheres, cátaros, valdenses, bogomilos, albigenses, hussitas e pensadores livres. Ao mesmo tempo que a Inquisição atuava, a Igreja Católica conseguia demonstrar o seu poder por meio da realização de cerimônias públicas de Autos de Fé, que congregavam em torno de uma série de signos e significados. Ela teve atuação em vários países europeus e em suas respectivas colônias, tais como Itália, Alemanha, França, Espanha e Portugal.

Métodos de tortura da Inquisição

O uso da tortura passou a permear o ritual de punição do Santo Ofício em busca do que a Igreja Católica chamava de Verdade Real, ou Justiça Divina. A função principal da tortura era conseguir a confissão do acusado, que por meio do arrependimento das heresias práticas poderia ser salvo.

As práticas de tortura eram realizadas por meio de um processo inquisitório que tramitava em sigilo. A variedade de tortura era extensa, dentre os métodos de tortura destacam-se:

  • o trono da tortura, formado por pregos que eram aquecidos com fogo para irradiar o calor por toda a cadeira;
  • a dama de ferro, que era uma espécie de sarcófago com pregos;
  • o pêndulo, que era utilizado para deslocar os ombros e ferir a coluna e os membros inferiores do torturado;
  • a roda do despedaçamento, que feria o suposto herege com pregos e agulhas;
  • o berço de Judas, que era utilizado na região genital;
  • o cavalete, que tinha a finalidade de sufocar a pessoa;
  • a pera, que era um método que feria os órgãos genitais e a boca do torturado;
  • o serrote, no qual a pessoa era colocada de ponta cabeça e era serrado o seu corpo;
  • a gaiola, onde a pessoa ficava presa sem água ou comida;
  • a água, por meio da qual se afogava a vítima ou era forçada goela abaixo;
  • a polia — a pessoa era amarrada com as mãos nas costas e depois era pendurada pelos pulsos numa polia presa ao teto. 

Além disso, a pessoa poderia ser queimada viva na fogueira, ser empalada por meio do uso de uma estaca no sistema digestivo ou ser morta na guilhotina.

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Em algumas situações, havia a tortura psicológica, por meio da qual a pessoa era obrigada a ver outras pessoas sendo torturadas. É importante lembrar que muitas técnicas de tortura não surgiram no período da Inquisição e não foram praticadas apenas na Europa. Elas estiveram presentes em outros momentos da História e foram realizadas por outros povos.

Estatística de vítimas da Inquisição

As estatísticas sobre o número de perseguidos e mortos durante a Inquisição não são exatas, uma vez que por muito tempo os processos se deram de modo sigiloso. Além disso, há o afastamento temporal e a dificuldade de análise em relação a fontes históricas daquele período, gerando falta de consenso nas interpretações dos dados. Alguns historiadores apontam que os casos de mortes e torturas durante a Inquisição foram superdimensionados, entretanto não há dados suficientes que comprovem o número de perseguidos, investigados e punidos durante esse período, fazendo com que a temática seja revisitada constantemente na historiografia.

Leia também: Contrarreforma —  as ações da Igreja Católica contra o avanço protestante

Censura literária na Inquisição

Capa do Index Librorium Prohibitorum (índice de livros proibidos pela igreja Católica).
Capa do Index Librorium Prohibitorum (índice de livros proibidos pela igreja Católica).

Entre 1540 e 1560 foram realizadas algumas reuniões do Concílio de Trento, na cidade italiana de Trento, no contexto da Contrarreforma da Igreja Católica. Durante o Concílio, foi restabelecido o Tribunal do Santo Ofício, órgão responsável por julgar atos heréticos, e instituído o Index Librorium Prohibitorum (índice de livros proibidos pela Igreja Católica). O Index, como ficou conhecido, consistia numa lista de livros proibidos de serem lidos, comercializados e divulgados.

A primeira lista contendo livros proibidos teria sido publicada em 1515, durante o Concílio de Latrão e reafirmada no Concílio de Trento, em 1546. Sendo que o primeiro Index teve a sua edição em 1557. Ao longo da história, a Igreja Católica editou vários Index, sendo que o último foi editado em 1948. O documento foi extinto pelo Papa Paulo VI, em 6 de abril de 1966. 

Durante esse período, o Index teve trinta e duas edições, muitos livros foram retirados de circulação e queimados, e seus autores foram julgados e punidos. Alguns historiadores indicam que milhares de livros e cientistas importantes, tais como Galileu Galilei, Nicolau Maquiavel, John Locke, René Descartes, Montesquieu, estiveram no Index.

Fim da Inquisição

O Tribunal da Santa Inquisição, também denominado Tribunal do Santo Ofício, foi extinto em 31 de março de 1821, por meio da aprovação do projeto de lei criado pelo deputado Francisco Simões Margiochi, em Portugal.  Entretanto, apesar da sua extinção por força de lei, não podemos esquecer que a Inquisição foi um movimento que permeou os séculos XII e XVIII.

Curiosidades sobre a Inquisição

  • O último Index foi editado em 1948, e incluía aproximadamente quatro mil livros proibidos.
  • Galileu Galilei foi acusado de heresia pela Santa Inquisição por refutar o geocentrismo. Somente em 1992 a Igreja Católica, por meio de pronunciamento realizado pelo Papa João Paulo II, reconheceu os erros eclesiásticos de condenação do cientista.
  • Durante o século XV, Joana d’Arc foi capturada pelos ingleses no contexto da Guerra dos Cem Anos, acusada de heresia e condenada à morte na fogueira aos 19 anos de idade.
  • Quem executava a punição do herege condenado pelo Tribunal da Santa Inquisição não era a Igreja Católica, mas a autoridade civil, ou seja, o Estado. 
  • Alguns historiadores defendem a tese de que o julgamento e as punições aplicadas pelo Tribunal da Santa Inquisição eram aplicados conforme a condição social do herege. Sendo que as pessoas com condições sociais mais elevadas conseguiam escapar do julgamento.
  • O Tribunal da Santa Inquisição existiu entre os séculos XVI e XIX, sendo extinto em 1891.
  • Na América do Norte, nas Treze Colônias, um episódio que esteve relacionado com os julgamentos religiosos de heresia foi o emblemático caso das Bruxas de Salém. Em 1692, várias pessoas foram acusadas, julgadas e executadas por terem praticado bruxaria. O caso das Bruxas de Salém trata-se de um caso de intolerância religiosa.
  • No Brasil foram abertos mais de mil processos pelo Tribunal da Santa Inquisição durante o período colonial. Além disso, pessoas foram acusadas de heresia por disseminar o judaísmo.
  • Em 2020, Portugal aprovou a criação do Dia Nacional da Memória das Vítimas da Inquisição. Trata-se da data 31 de março, que deve ser lembrada todos os anos.

Exercícios resolvidos sobre a Inquisição

1. (Enem 2022)

TEXTO I

Manda o Santo Ofício da Inquisição que ninguém, seja qual for seu estado, idade ou condição, pare com carroça, caleça ou montaria nem atrapalhe com mesas ou cadeiras o centro das ruas, que vão da Inquisição a São Domingos, nem atravesse a procissão em ponto algum da ida ou da volta, amanhã, 19 do corrente, em que se celebrará auto de fé. E também que nem nesse dia nem nos dos açoites ouse alguém atirar nos réus maçãs, pedras, laranjas nem outra coisa qualquer.

PALMA, R. Anais da Inquisição de Lima. São Paulo: Edusp; Giordano, 1992 (adaptado).

TEXTO II

Como acontece em todos os ritos, o sentido do auto da fé é conferido pela sequência dos atos que o compõem. Os lugares, as posturas, os gestos, as palavras são fixados previamente em toda a sua complexidade. Por isso, o auto da fé apresenta momentos fortes — durante a preparação, a encenação, o ato e a recepção – que convém seguir em seus pormenores.

BETHENCOURT, F. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – séculos XV-XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

O rito mencionado nos textos demonstra a capacidade da Igreja em

a) abrandar cerimônias de punição.   

b) favorecer anseios de violência.   

c) criticar políticas de disciplina.   

d) produzir padrões de conduta.   

e) ordenar cultos de heresia.   

Resposta: Letra D.  Os textos fazem referência ao rito praticado pela Igreja Católica ao longo da Idade Moderna e conhecido como Auto de Fé.  O rito buscava ensinar por meio do exemplo e punir. Nesse sentido, ficavam explícitos os padrões comportamentais que as pessoas deveriam adotar naquele período.

2. (PUC-GO 2021) O Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Inquisição, não perseguiu somente pessoas acusadas de judaísmo e de bruxaria, mas voltou-se também contra as modernas ideias científicas.

Acerca da ruptura entre as autoridades eclesiásticas e os promotores da Revolução Científica, assinale a única alternativa correta:

a) O heliocentrismo, proposto por pensadores como Galileu Galilei e a ideia de que o universo era infinito, defendida por Giordano Bruno, receberam a condenação da Inquisição, especialmente porque rompiam com as tradicionais interpretações escolásticas da Revelação e propunham novas formas de se conhecer o mundo.   

b) As autoridades eclesiásticas rejeitaram as novas ideias científicas de Leonardo da Vinci porque sabiam de suas relações com a alquimia, com o ocultismo e descobriram os símbolos esotéricos escondidos em suas pinturas, a exemplo dos contidos no quadro da Santa Ceia.   

c) O papado condenou a obra científica de Michelangelo, até hoje de difícil acesso, porque na pintura da Capela Sistina, além de representar vários deuses nus, ele demonstrou que a concepção antropocêntrica de mundo possuía sólidos fundamentos empíricos.   

d) A Santa Inquisição condenou o humanismo de Erasmo de Rotterdam por ter ele apoiado os movimentos protestantes, embora a própria Igreja tenha utilizado sua tradução do Novo Testamento para estabelecer novos dogmas católicos, durante o Concílio de Trento.  

Resposta: Letra A.  As ideias difundidas pelos cientistas ao longo do Renascimento cultural e científico em muitos aspectos se opunham aos dogmas da Igreja Católica, sendo consideradas como práticas heréticas.

Créditos das imagens

[1] Wellcome Images  / Wikimedia Commons

[2] Wellcome Images  / Wikimedia Commons

[3] Wellcome Images  / Wikimedia Commons

Fontes:

ALTMAN, Max. 1966: Igreja acaba com Index de livros proibidos. Disponível em: https://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/1966-igreja-acaba-com-index-de-livros-proibidos/.

BARBOSA, Mariana de Oliveira Lopes. Inquisição. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/guerras/inquisicao.htm.

MELLO, Isabela. Inquisição: Técnicas de tortura e execução. Disponível em: https://www1.ibb.unesp.br/Home/Instituicao/ProgramadeEducacaoTutorial/resumo-seminirio-lontra-corrigido-por-rrolha-24-11-12.pdf.

Por Vanessa Clemente Cardoso

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