Primavera de Praga

A Primavera de Praga aconteceu em 1968 na extinta Checoslováquia (atual Tchéquia e Eslováquia) e foi um processo de reformas no comunismo implementado naquele país.
A cidade de Praga foi o grande palco dos eventos relacionados com a Primavera de Praga
A cidade de Praga foi o grande palco dos eventos relacionados com a Primavera de Praga
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A Primavera de Praga foi um período de oito meses durante o ano de 1968 em que a população da Checoslováquia (ou Tchecoslováquia) passou a pressionar por mudanças no sentido de reformar os moldes do governo comunista que estava instalado naquele país. A mobilização popular e a abertura do governo pelas reformas levaram a União Soviética a intervir, invadindo a Checoslováquia em agosto de 1968.

Antecedentes

O regime comunista estabeleceu-se na Checoslováquia (atualmente Eslováquia e Tchéquia/Chéquia) logo após o final da Segunda Guerra Mundial como consequência da ocupação soviética do país. A partir de então, o sistema político da Checoslováquia foi estruturado com base nos moldes do regime soviético e contava com partido único, censura estabelecida, economia planificada etc.

Em geral, os sistemas comunistas que se estabeleceram no leste europeu foram impostos à força pelos soviéticos, mas o caso checoslovaco foi distinto nesse aspecto. O regime comunista na Checoslováquia estabeleceu-se como uma demanda da população, que via nele uma boa alternativa para o futuro. A comprovação disso é o fato de que, em 1947, o Partido Comunista (PC) recebeu 40% dos votos, segundo Eric Hobsbawm|1|.

O autoritarismo do regime soviético sobre as nações do bloco comunista foi resultado da política stalinista. Após a morte do ditador, em 1953, espalhou-se pelo bloco um reformismo que propunha debates para estabelecer novas diretrizes ao regime. Esse reformismo foi uma consequência direta da desestalinização da URSS, e um reflexo do desejo de reformas foi a Revolução Húngara de 1956. No caso da Checoslováquia, essa insatisfação só se manifestou a partir da década de 1960.

Primavera de Praga

Considera-se o ponto de partida da Primavera de Praga a data 5 de janeiro de 1968, quando Alexander Dubcek assumiu o posto de primeiro-secretário do PC e o comando da Checoslováquia. Dubcek era um comunista que possuía extensa ligação com o governo de Moscou. Durante anos, ele e sua família moraram no Quirguistão (país da Ásia Central, ex-integrante da antiga União Soviética).

Dubcek também era um político reformista que possuía forte ligação com intelectuais checoslovacos e defendia a ideia de promover um “socialismo com rosto humano”. Há dois fatores de destaque que nos ajudam a entender o fortalecimento desse desejo reformista dentro da Checoslováquia. Primeiro, Hobsbawm |2| indica que o reformismo no PC local estava diretamente relacionado com um desejo dos eslovacos (minoria na Checoslováquia) de reformar o PC para ganhar maior protagonismo no governo checoslovaco.

Segundo, havia um claro descontentamento popular com os rumos que o governo comunista seguiu na Checoslováquia. Quando o comunismo foi instalado na Checoslováquia, em meados da década de 1940, havia toda uma esperança popular de que o regime trouxesse mudanças positivas, mas, passadas duas décadas, o sentimento que vingava no país era de desilusão. Uma das classes mais insatisfeitas era a dos intelectuais.

Foi dentro desse contexto que Alexander Dubcek despontou como nova liderança política na Checoslováquia. Ele se encaixava dentro dos dois fatores citados, pois era eslovaco e alimentava ideais reformistas, conforme já mencionamos. Com a posse de Dubcek, inúmeras mudanças aconteceram no país, alimentando o desejo da população por reformas.

Uma das primeiras mudanças sob o regime de Dubcek foi o fim da censura que existia no país. Isso garantiu que produtos típicos da cultura ocidental passassem a ser amplamente consumidos. Outra consequência direta do fim da censura foi a maior divulgação de ideias que, muitas vezes, criticavam o próprio Dubcek, além de, claro, ampliação das denúncias contra as irregularidades do regime comunista.

As ações de Dubcek refletiram diretamente no movimento estudantil checoslovaco, que se mobilizou e passou a pressionar o governo para que as mudanças no país em direção a um regime socialista com liberdade e democracia se ampliassem. Entre os intelectuais a adesão também foi maciça. Destaca-se aqui o “Manifesto das duas mil palavras”, redigido por Ludvik Vaculik. Esse documento exigia que amplas reformas fossem realizadas no país e contou com milhares de assinaturas.

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Dentro desse contexto de agitação política e social, o governo checoslovaco divulgou em abril de 1968 o Programa de Ação. Esse documento basicamente resumia as intenções de Dubcek de promover um regime socialista com ampla democracia. A citação abaixo resume as propostas do projeto:

Este programa de ação resumia os fundamentos do socialismo com rosto humano: preparava-se uma legislação para regular a liberdade de imprensa e o direito de assembleia, a criação de vários partidos políticos socialistas para tornar realidade a pretendida democracia socialista, garantia a autonomia dos sindicatos e o reconhecimento do direito de greve, estabelecia a igualdade de checos e eslovacos e preparava-se uma legislação para auxiliar as vítimas de governos comunistas anteriores. Na política exterior reafirmava-se a soberania nacional e a cooperação com a União Soviética e com o Pacto de Varsóvia. No âmbito cultural e religioso, garantia-se a liberdade de culto, expressão artística e da pesquisa científica |3|.

As reformas em curso na Checoslováquia foram apoiadas por países como Iugoslávia, Romênia e Hungria, mas, evidentemente, enfureceram Moscou. O governo soviético via nos acontecimentos de Praga um perigoso precedente que poderia enfraquecer o seu poder sobre o bloco comunista e logo passou a negociar com o governo checoslovaco para que o que acontecia na Checoslováquia fosse devidamente controlado.

A repercussão dos acontecimentos da Checoslováquia na União Soviética fez surgir um grupo no governo de Moscou que passou a defender uma intervenção direta no país. Esse grupo intervencionista era composto por membros do KGB (serviço secreto soviético), do Comitê Central e das outras repúblicas soviéticas.

A ação desse grupo pró-intervenção refletiu diretamente na posição de Leonid Brejnev, presidente da União Soviética. A princípio, ele era desfavorável à possibilidade de uma intervenção, principalmente por causa do impacto que essa ação representaria. No entanto, como Dubcek não controlou as reformas em curso na Checoslováquia e o grupo pró-intervenção pressionava cada vez mais, Brejnev cedeu e autorizou a intervenção na Checoslováquia.

Na virada de julho para agosto, aconteceram duas reuniões, uma em Cierna e outra em Bratislava, nas quais foram debatidas com representantes do governo checoslovaco e soviético alternativas para controlar as reformas. Para o governo de Moscou, as reuniões foram um fracasso e fortaleceram o reformismo.

Ainda em agosto de 1968, em uma reunião secreta realizada no dia 16, militares soviéticos optaram por realizar a intervenção na Checoslováquia. Essa intervenção aconteceu na virada do dia 20 para o dia 21 de agosto, quando mais de 500 mil soldados soviéticos invadiram a Checoslováquia. A intervenção soviética também contou com milhares de blindados e centenas de aeronaves.

As tropas soviéticas que invadiram a Checoslováquia logo se encaminharam para locais estratégicos da cidade de Praga: emissoras de rádio e prédios governamentais. Aconteceram pequenos confrontos localizados da população local com as tropas soviéticas, mas, em geral, a resistência foi pacífica. A intervenção soviética colocou fim ao projeto reformista da Checoslováquia, e este era o fim da Primavera de Praga.

Dubcek acabou renunciando ao seu cargo no ano seguinte, em 1969. O bloco comunista iniciava então um período de desgaste, que se estendeu durante 20 anos, e no qual a coesão do bloco se dava única e exclusivamente por conta da ação repressiva de Moscou. A Checoslováquia colocou fim ao regime comunista no país somente em 1989, durante a Revolução de Veludo.

|1| HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 385.
|2| Idem, p. 388.

|3| SERRANO, Patricia Chia. Primavera de Praga. Para acessar clique aqui [texto original em espanhol com tradução minha].

Por Daniel Neves Silva