Primeira fase do Governo de João Goulart

O governo de João Goulart iniciou-se em setembro de 1961 após uma pequena crise política que quase levou o país a uma guerra civil.
Tancredo Neves foi o primeiro-ministro do Brasil durante a fase parlamentarista do governo de Jango*
Tancredo Neves foi o primeiro-ministro do Brasil durante a fase parlamentarista do governo de Jango*
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O governo de João Goulart, também conhecido como Jango, estendeu-se de 1961 a 1964 e foi marcado por grande tensão política. Os obstáculos encontrados por João Goulart surgiram desde antes de assumir a presidência e permaneceram, sobretudo, quando ele tentou implantar no Brasil as conhecidas Reformas de Base. Seu governo teve o fim antecipado com a realização do Golpe Civil-Militar entre 31 de março e 2 de abril de 1964. Este texto, porém, tem como enfoque os acontecimentos do governo de Jango de setembro de 1961 até agosto de 1963.

Posse de João Goulart

No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou a presidência do Brasil após um governo atribulado e repleto de decisões desastrosas que levaram ao desgaste de Jânio, sobretudo, na sua relação com os congressistas. Segundo a Constituição de 1946, o sucessor ao cargo de presidente seria o vice eleito, João Goulart, do PTB.

A posse de Jango foi extremamente atribulada pela oposição oferecida pelo exército. Os membros das Forças Armadas do Brasil recusavam-se a aceitar a posse de João Goulart, afirmando que, se o fizesse, seria preso. Isso iniciou uma grave crise política no Brasil, quando grupos representantes do PTB iniciaram uma campanha legalista pela posse de João Goulart.

Essa campanha legalista foi encabeçada por Leonel Brizola, um trabalhista radical do PTB que era governador do Rio Grande do Sul. Brizola mobilizou militares que eram favoráveis à posse de Jango e convocou cidadãos a se voluntariar na formação de um corpo civil armado. Houve também distribuição de armas para a população, e o país esteve próximo de iniciar uma guerra civil.

A saída encontrada foi proposta pelos congressistas: adoção do parlamentarismo. A ideia era de permitir a posse de Jango, no entanto, em um sistema parlamentarista, ele teria o seu poder de governo reduzido em detrimento da figura do primeiro-ministro. A saída não agradou muito aos legalistas, mas foi adotada e, no dia 7 de setembro de 1961, João Goulart assumiu como presidente do Brasil.

Governo Jango

O parlamentarismo esteve em vigência no Brasil durante 14 meses e só foi abandonado após a consulta popular decidir pelo retorno do presidencialismo em janeiro de 1963. Durante o período do parlamentarismo, João Goulart não teve muitas possibilidades de realizar reformas e propor projetos para o Brasil pelas limitações que o regime lhe impunha.

Além disso, a experiência parlamentarista no Brasil foi marcada pela instabilidade e, em um período de 14 meses, o Brasil teve três gabinetes ministeriais distintos. Os primeiros-ministros desse período foram:

  • Tancredo Neves (set-1961 até jun-1962)

  • Brochado da Rocha (jun-1962 até set-1962)

  • Hermes de Lima (set-1962 até jan-1963)

Após assumir a presidência do Brasil, Jango encontrou um país cheio de problemas e com tensões sociais prestes a estourar. O grande problema imediato era o pagamento de 1,5 bilhão da dívida externa já para 1962. Isso era um problema grave porque o governo não tinha dinheiro para pagar essas dívidas, e o governo americano recusava-se a facilitar as condições do pagamento.

Além disso, a inflação em alta era um problema e havia tensões muito grandes no campo pela não realização de uma reforma agrária no Brasil, a baixa quantidade de alimentos produzidos e também nos meios educacionais, sobretudo pela baixa quantidade de vagas disponibilizadas nas universidades brasileiras, que não supriam as necessidades do mercado local e não abrigavam todos os estudantes.

Nesse momento, os Estados Unidos voltavam seus olhos para o Brasil temeroso do governo de Goulart. Primeiro, para o governo americano, Jango era um político que estava “à esquerda demais” do espectro político. Isso incomodava, sobretudo, pelo contexto da Guerra Fria, que havia criado uma bipolarização no mundo entre um bloco capitalista e outro socialista.

Em segundo lugar, algumas medidas tomadas pelo governo de Jango foram consideradas inaceitáveis para o governo de Washington (EUA). Essas medidas eram a Lei de Remessas de Lucros de 1962, que impedia multinacionais de enviar para fora do Brasil mais do que 10% do lucro obtido, e a continuidade de um projeto de política externa independente a partir da ação de San Tiago Dantas.

Fim do Parlamentarismo

A experiência parlamentarista, conforme citado, foi curta no Brasil. Em um plebiscito realizado em janeiro de 1963, a população optou pelo fim desse regime. Assim, João Goulart assumiu o poder com plenos poderes e iniciou seu projeto político com a realização de duas medidas importantes: o Plano Trienal e as Reformas de Base.

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Em 1962, o governo lançou o Plano Trienal, que havia sido criado pelo Ministro do Planejamento, Celso Furtado. O Plano Trienal tinha como objetivo promover o crescimento econômico do país ao mesmo tempo que criava condições para combater a alta da inflação. O Plano Trienal é visto pelos historiadores como um plano de política econômica de austeridade, pois estipulava o controle de gastos e o congelamento de salários.

O Plano Trienal, no entanto, foi um fracasso e, em meados de 1963, o governo já havia realizado aquilo que sugeria que não fosse feito: promoveu o aumento do salário dos funcionários públicos. O fracasso do Plano Trienal essteve muito relacionado com sua pouca aceitação nos quadros políticos do Brasil, seja entre direitistas, seja entre os esquerdistas.

O segundo projeto importante estipulado pelo governo de Jango foram as Reformas de Base, isto é, um projeto que criava condições ou, pelo menos, iniciava um debate para a realização de reformas estruturais no Brasil que resultariam em transformações profundas a longo prazo.

Dentro das Reformas de Base, havia projetos que estipulavam a realização de:

  • Reforma Agrária: defendia a desapropriação de propriedades rurais maiores que 500 hectares e que não eram utilizadas;

  • Reforma Tributária: procurava criar condições para integrar os impostos e defendia a ideia de progressividade fiscal, na qual quem tinha mais renda pagaria mais impostos e quem possuía menos renda pagaria menos impostos;

  • Reforma Eleitoral: defendia a ampliação do direito de voto para o analfabeto;

  • Reforma Bancária: visava a ampliar as condições de disponibilização de crédito bancário;

  • Reforma Urbana: procurava impedir a especulação no valor dos imóveis urbanos e criar condições para o desenvolvimento de moradias populares;

  • Reforma Educacional: procurava criar condições que ampliariam a quantidade de vagas disponibilizadas nas universidades brasileiras.

Entre todas essas reformas, a que foi largamente discutida e que ocupou o debate político do Brasil entre março e agosto de 1963 foi a reforma agrária. As outras reformas podem ser vistas como estabelecimento de um projeto de intenção do governo para iniciar um debate. No caso da reforma agrária, a adesão popular a esse debate foi imediata.

O debate pela reforma agrária estipulava que propriedades acima de 500 hectares que não estivessem sendo utilizadas seriam desapropriadas pelo governo mediante pagamento indenizatório para o dono. A partir disso, seria realizada a distribuição dessas terras para camponeses que não possuíam terras. O projeto do governo recebeu forte apoio das esquerdas, sobretudo das Ligas Camponesas.

No entanto, o debate sobre a reforma agrária não só não evoluiu como foi fundamental para o desgaste de João Goulart com sua base no Congresso. O grande entrave havia sido uma cláusula constitucional que determinava que o pagamento da indenização deveria ser realizado em espécie e baseado no valor de mercado.

A realização da reforma agrária dentro dessas condições seria impossível para o governo, que propôs uma alternativa: uma alteração constitucional que permitiria que a indenização fosse realizada a partir do resgate de títulos da dívida pública com prazo de até 20 anos e corrigidos pela inflação. Essa proposta do governo foi rebatida pelos proprietários de terra, que exigiam que a correção deveria ser feita com base na valorização do valor da terra no mercado.

Essa divergência existente entre a proposta defendida pelo governo e a proposta defendida pelos grandes proprietários de terra, uma vez que o debate foi transformado em negócio pelos proprietários de terra, fez com que a discussão emperrasse de maneira definitiva a partir de agosto de 1963. A partir daí, houve uma considerável perda de apoio do governo com parlamentares do PSD, que migraram para a base da oposição, representada pela UDN.

Essa perda de apoio, somada à crise econômica e à convulsão social causada tanto pelos grupos de esquerda quanto pelos grupos conservadores, intensificou a crise política e abriu caminho para que o grande empresariado aliado com os militares e o governo americano iniciasse os preparativos para a realização do Golpe Civil-Militar de 1964.

*Créditos da imagem: rook76 e Shutterstock

Por Daniel Neves Silva